E quando imaginávamos que estava tudo acabado, que amor não mais havia, que tinha ido tudo para as cucuias, que o fogo estava morto como no engenho de Zé Lins, que o amor era apenas uma assombração do Recife Antigo…
Quando já dizíamos, a uma só voz, aquela crônica triste de Paulo Mendes Campos: “Às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba…”Quando já separávamos, olhos marejados, os livros e os discos…
Quando o Neruda já estava no fundo da caixa de mudança…
Quando mirávamos, no mesmo instante, a nossa foto feliz no porta-retratos…
Quando não tínhamos nem mais ânimo para as clássicas D.R’s –discussões de relação…
Ave, palavra, até o gato, nervoso, sem saber com quem ficaria, quebrava coisas dentro de casa àquela altura.
Estava na cara: aquele feliz casal já era.
O cheiro do fim tomara todos os cômodos, a rua, o quarteirão, o bairro, a cidade, o mundo…
Quando só restava cantar uma música de fossa do Chico… “Aquela aliança você pode empenhar ou derreter…”
Quando só restava a impressão de que eu já vou tarde…
Sim, o quadro era realmente trágico, não se tratava de exagero nosso. Sabe quando resta apenas o silêncio e o descaso?
De tanta inércia, faltava até força para que houvesse a separação física, faltava força para arruma as malas, para ir morar no Lameiro, lá no Crato, ou na casa de um amigo.
Ah, amigo, quer saber quem bateu o ponto final da história do casamento?
Ela, claro, você acha que homem tem coragem para acabar qualquer coisa?
O estranho é que ela não disse, em nenhum momento, que não gostava mais do pobre mancebo. Aquilo me encucava. Porque um homem, como disse o velho Antonio Maria, nunca se conforma em separar-se sem ouvir bem direitinho, no mínimo quinhentas vezes, que a mulher não gosta mais dele, por que e por causa de quem etc, etc.
E nesse clima de fim sem fim os dias foram passando… Até que chegou o domingo.
Eu acabara de levantar do amigo sofá, que havia se transformado no meu leito, quando ela passou com uma cara de impaciência e desassossego. Mais que isso: com vontade de matar gente!
Era a cara que fazia quando estava faminta. Sabe mulher que fica louca quando a fome aperta?
Vi aquela cena e cai na gargalhada. A princípio ela estranhou… Mas sacou tudo e danou-se a morrer de rir igualmente. Nos abraçamos e rimos e rimos e rimos e rimos daquilo tudo, rimos da nossa fraqueza em não dar a volta por cima, rimos do nosso silêncio sem sentido, rimos desses casais que se separam logo na primeira crise, rimos da falta de forças para enfrentar os maus bocados, rimos, rimos, rimos…
E um casal que ainda ri junto tem muita lenha verde para gastar na vida e fazer cuscuz com bode. Agora ela está deitada, linda, cheirosa, gostosa, psiu!, silêncio, ela dorme enquanto escrevo essa crônica!
Crônica de Xico Sá.
Adorei a crônica,sabe o livro minutos de sabedoria?aquele que a gente pensa numa coisa e abri pra ler a mensagem,que tanto precisamos ouvir?hoje seu blog foi um "minutos de sabedoria"...um post que se encaixou no meu cotidiano.
ResponderExcluirFico feliz, quando li esta crônica também estava precisando refletir sobre o assunto...rsrs
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